Setembro Verde: Hospital Mário Gatti é referência na captação de órgãos para transplantes
Unidade é reconhecida como Hospital Amigo do Transplante; informação e diálogo com a família são fundamentais para quem quer ser doador

Foto: Carlos Bassan
No mês dedicado à conscientização sobre a doação de órgãos, o Hospital Municipal Mário Gatti se destaca em Campinas como unidade captadora para transplantes que acontecem em hospitais da cidade e da região. Reconhecido pelo trabalho, a instituição já recebeu prêmios no Encontro Estadual das Comissões Intra-Hospitalares de Transplantes do Estado de São Paulo (ECESP), em 2022 e 2024.
Entre janeiro de 2022 e agosto de 2025, foram realizadas 11 captações no centro cirúrgico do hospital - um em 2022; quatro em 2023; quatro em 2024 e dois em 2025 até agora.
De acordo com o Setor de Informação da Rede Mário Gatti, a maior parte dos doadores tinha entre 40 e 60 anos, com média de idade de 44 anos. O mais jovem tinha 21 e o mais velho, 68. As principais causas de morte que resultaram em doação foram traumas e acidentes vasculares cerebrais (AVCs).
Setembro Verde
A doação de órgãos no Brasil é tema central do Setembro Verde, mês que reforça a importância de sensibilizar a população sobre o assunto. O período foi escolhido porque no dia 27 de setembro é comemorado o Dia Nacional da Doação de Órgãos.
Em 2024, o Brasil alcançou recorde histórico de mais de 30 mil transplantes realizados pelo SUS, crescimento de 18% em relação a 2022. Hoje, 88% dos transplantes nacionais são feitos pelo sistema público, o que coloca o Brasil como referência mundial, atrás apenas dos Estados Unidos em números absolutos.
Apesar do avanço, o desafio é grande: cerca de 78 mil pessoas aguardam na fila por um transplante. Segundo a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), a taxa de recusa familiar ainda é de 44%.
Na região de Campinas, dados da OPO (Organização de Procura de Órgãos) Unicamp mostram que, de 2021 a agosto deste ano, foram registradas 403 notificações de potenciais doadores, das quais 122 resultaram em doações efetivas.
No período, foram transplantados:
921 rins,
378 fígados,
106 corações,
85 pulmões e
21 pâncreas.
Conscientização da família
Um único doador pode beneficiar até 10 pessoas, já que além de órgãos, também podem ser transplantados córneas, pele, ossos, vasos e válvulas cardíacas. Para especialistas, a chave para aumentar esse número está no diálogo entre familiares, já que no Brasil, a doação de órgãos de um paciente falecido depende da autorização da família. "É fundamental conversar sobre o desejo de doar, para que a família saiba tomar essa decisão em um momento tão delicado", destacou Carla Oliva, enfermeira da comissão de captação do Mário Gatti.
Segundo a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), o percentual de recusa familiar na doação de órgãos chega a 44% dos casos.
"A recusa está vinculada a mitos e principalmente, a falta de informação. Por isso, a comunicação feita entre a equipe de saúde responsável pelo paciente e a família é sempre feita com acolhimento e transparência", explicou Talita Sansoni, médica da equipe da OPO Unicamp.
Doação de órgãos: como funciona
O processo de doação começa com a identificação de um potencial doador no hospital. O trabalho começa com a identificação de um paciente que sofreu traumatismo craniano ou Acidente Vascular Cerebral (AVC) que possa levar à morte encefálica.
Resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM), com base na Lei nº 9.434/97, determina que a morte é detectada e declarada quando há a constatação da morte encefálica, ou seja, a cessação completa e irreversível de todas as funções do cérebro.
Em seguida, é iniciado um rigoroso diagnóstico de morte encefálica, quando são feitos testes para confirmar a parada total e irreversível das funções cerebrais. O diagnóstico segue um protocolo específico, que inclui a execução de dois exames clínicos diferentes e um teste de apneia, exames complementares e intervalos de tempo entre os exames.
Ao identificar um paciente com diagnóstico de morte encefálica, o hospital notifica a Organização de Procura de Órgãos (OPO) da Unicamp, que é a responsável pela notificação de potenciais doadores e a captação de órgãos em 124 cidades da região.
"Para começarmos um protocolo de morte encefálica, o paciente não pode estar sedado e é preciso ter um tempo mínimo que essa sedação foi retirada. Ele não pode estar reagindo a estímulo nenhum e é preciso ter uma causa do coma. São avaliadas as funcionalidades de alguns pares de nervos cranianos com testes que são feitos por dois médicos diferentes. Tudo isso para não deixar nenhuma dúvida, nenhum erro", explicou Carla Oliva.
Diálogo e autorização
Durante todo esse processo, a comissão do Hospital Mário Gatti fica em contato com a família em um diálogo acolhedor e transparente. Após a constatação da morte encefálica, os familiares são comunicados e questionados sobre a autorização da doação. A família precisa autorizar a doação dos órgãos para que o processo continue.
"Por isso é tão importante que os familiares sejam avisados sobre o desejo da pessoa ser doadora. Porque é no o momento que a família recebe essa notícia de óbito que ela vai ter que decidir se vai doar ou não", disse a profissional.
Corrida contra o tempo
Com a autorização, a OPO Unicamp começa a fazer o trabalho de compatibilização dos órgãos com os pacientes que aguardam na fila. Enquanto o doador falecido tem seus órgãos mantidos com suporte artificial, são realizados testes para saber se os órgãos estão aptos a serem doados, além de exames de compatibilidade entre o doador e receptores na lista de espera, seguindo um sistema informatizado da lista única do Ministério da Saúde. A lista de espera é única e a posição do receptor é determinada por critérios como tempo de espera e urgência do procedimento.
A equipe da OPO vem até o hospital e começa a fazer diversos exames (coletas de sorologia de sangue do paciente, raio X, ecocardiograma) e procura na listagem os pacientes que são compatíveis. O órgão é destinado ao primeiro receptor compatível da lista, que não necessariamente é o número um da fila.
Segundo Carla Oliva, são as equipes dos hospitais onde serão feitos os transplantes que vêm até o Mário Gatti para fazer a retirada dos órgãos. E cada equipe faz a retirada do que vai transplantar. Nesse meio tempo, o receptor é internado e preparado para receber o órgãos assim que ele chegar até o destino. O tempo médio entre o diagnóstico da morte e a retirada dos órgãos é de 24 horas, já que após a morte do cérebro o restante dos órgãos é mantido artificialmente. É uma corrida contra o tempo.
"Alguns órgãos têm um pouco mais de tempo para serem transplantados, mas o que tem menor tempo entre retirada e implantação é o coração, que são só quatro horas. Muitas vezes, é quando entra muito helicóptero da Polícia Militar, ou aviões de pequeno porte que são emprestados para que o órgão chegue a tempo do transplante", afirmou Carla Oliva.
Segundo a coordenadora, o coração é o órgão mais complexo. Os viáveis são doadores com até 45 anos. Pulmões são órgãos mais raros para doação e também precisam ser transplantados em pouco tempo. Já os rins podem ser doados por pessoas com mais de 60 anos e, junto com as córneas e fígado, são comumente os mais doados. Outra questão levada em conta é o tamanho do órgão, que precisa ser compatível com a estrutura do paciente receptor.
Mitos da doação de órgãos
A doação de órgãos ainda enfrenta outros desafios como mitos: a crença de que a doação causa desfiguração do corpo, que há custos financeiros para a família do doador, que religiões se opõem à doação e que é possível escolher o destinatário do órgão, mas tudo isso é falso. A doação é um ato de solidariedade sem custos para a família e para o receptor.
"Falta falarmos mais sobre o assunto e as pessoas se informarem sobre como realmente acontece a doação de órgãos. A questão da conscientização faz diferença e um doador pode salvar várias vidas", concluiu Carla Oliva.