Será que é verdade que viemos dos macacos?
Coluna Papo Verde com Dani Fumachi

Você já ouviu essa frase. Talvez num jantar de família, numa aula de ciências ou num debate acalorado nas redes sociais:
“O ser humano veio do macaco.” Mas… será?
Essa afirmação parece certeira, mas é equivocada, simplista e cientificamente imprecisa. A boa notícia? A verdade é ainda mais fascinante do que qualquer meme ou frase de efeito.
Vamos começar pelo básico: a evolução não é uma escada linear, com um lêmure virando macaco, depois chimpanzé, depois um ser humano engravatado.
Ela é uma árvore complexa, com ramos que se bifurcam, colidem, desaparecem e se reinventam ao longo de milhões de anos.
Nós não “viemos dos macacos”.
Nós somos primatas, assim como os macacos. E compartilhamos um ancestral comum com eles — uma espécie extinta que viveu há cerca de 6 a 7 milhões de anos.
O que diz a genética?
Prepare-se: o ser humano compartilha 98,8% de seu DNA com os chimpanzés. É mais do que o cavalo compartilha com a zebra. Mais do que o leão com o leopardo. Essa proximidade é tão absurda que os cientistas conseguiram identificar a fusão de dois cromossomos nos chimpanzés que originou o cromossomo 2 humano. Uma espécie de “cicatriz genética” que ainda carregamos em todas as nossas células.
Além disso, também compartilhamos cerca de 96% do DNA com os gorilas e cerca de 93% com os orangotangos. A distância entre nós e os grandes símios é pequena demais para ignorar — e grande o suficiente para sermos diferentes.
Inteligência e cultura não são só humanas
Durante muito tempo, a ciência tentou proteger a ideia de que os humanos eram especiais, únicos, sagrados. Mas a natureza insistiu em dizer o contrário:
Chimpanzés constroem ferramentas, usam galhos para caçar cupins, folhas como esponjas e pedras como martelos.
Bonobos resolvem conflitos com afeto e sexo, em vez de agressão.
Gorilas ensinam os filhotes e demonstram empatia.
Orangotangos têm dialetos regionais e conseguem planejar ações futuras.
Você acha que só humanos fazem guerra? Chimpanzés organizam ataques territoriais brutais, em grupo, com táticas de emboscada e eliminação de rivais. Acha que só humanos têm luto? Já foram observados chimpanzés chorando, tocando e velando corpos de seus mortos.
O que isso significa? Que cultura, linguagem rudimentar, emoções complexas, empatia e raciocínio não surgiram do nada em nós. São traços que já estavam em gestação nos nossos parentes mais próximos.
Quem foi nosso ancestral comum?
O nome dele ninguém sabe com certeza, porque a evolução não deixa certidões de nascimento. Mas sabemos que viveu na África, entre 6 e 7 milhões de anos atrás.
Entre os fósseis candidatos a esse posto, temos o Sahelanthropus tchadensis – talvez o hominino mais antigo conhecido. Orrorin tugenensis – apelidado de “o homem milenar”. Ardipithecus ramidus – que já andava parcialmente ereto.
Essas criaturas não eram chimpanzés. Nem humanos. Eram outra coisa. Um elo perdido — não no sentido de algo que falta, mas no sentido de uma ponte que explica quem somos.
“Macaco” é um termo problemático
Quando dizemos “macaco”, estamos usando uma palavra informal que mistura tudo: primatas do Novo Mundo (como bugios e micos), do Velho Mundo (como babuínos), e até mesmo primatas que não são nossos parentes tão próximos assim. Chimpanzés, gorilas e orangotangos não são tecnicamente “macacos”. São grandes símios — e nós também somos. Isso mesmo.
Humanos são grandes símios. Temos mais em comum com um chimpanzé do que este tem com um macaco-prego.
E por que isso importa?
Porque entender de onde viemos muda a forma como olhamos para o mundo ao nosso redor. Hoje, existem menos de 300 mil chimpanzés no planeta. Orangotangos estão à beira da extinção. Bonobos vivem sob ameaça constante devido ao tráfico e à destruição das florestas. Eles não são “outros animais”. São nossos parentes diretos. E se há alguma dignidade em ser humano, ela deve incluir o cuidado por todos os seres com quem dividimos a árvore da vida. Então, o que dizer no lugar de “viemos dos macacos”? Diga assim:
“Humanos e chimpanzés compartilham um ancestral comum. Ambos evoluíram de um ramo da árvore da vida que surgiu há milhões de anos” ou:“Os chimpanzés não são nossos avós — são nossos primos.”
Curiosidades para levar na mochila:
O genoma humano tem cerca de 3 bilhões de pares de bases. A diferença entre nós e um chimpanzé está em apenas 1,2% disso tudo.
O córtex pré-frontal do cérebro humano (região ligada ao raciocínio e tomada de decisão) é mais desenvolvido — mas a estrutura básica está presente nos símios também.
Alguns orangotangos já foram ensinados a se comunicar por linguagem de sinais. Um deles, chamado Chantek, pedia pizza e fazia piadas.
Os macacos do Novo Mundo (como saguis e micos) não têm cauda preênsil — essa é uma característica dos primatas da América do Sul, mas não dos grandes símios africanos.
Por hoje é só e até a próxima coluna!