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Por Thomas

Parabéns, Cerrado

Coluna Papo Verde com Dani Fumachi

Por Thomas

Na última quinta-feira, 11 de setembro, celebramos no Brasil o Dia do Cerrado, esse gigante silencioso que cobre quase um quarto do Brasil, mas que muita gente ainda insiste em chamar de “mato seco” ou “terra de ninguém”. Pois bem: não é. O Cerrado é o coração pulsante do nosso país, e sem ele, o Brasil perde o compasso.

Imagine um bioma que parece discreto, mas que guarda mais de 12 mil espécies de plantas catalogadas, sendo que cerca de 4.800 são endêmicas — ou seja, só existem aqui. Árvores de casca grossa, retorcidas como quem aprendeu a resistir ao fogo e à seca, mas que escondem raízes que chegam a mais de 15 metros de profundidade, capazes de encontrar água onde nenhum olho humano alcança. Esse é o Cerrado: resistência pura, inteligência natural que a ciência ainda estuda para entender.

E não para por aí. O Cerrado é o berço das águas do Brasil. Ali nascem as principais bacias hidrográficas da América do Sul: Tocantins-Araguaia, São Francisco, Paraná-Paraguai, além de afluentes do Amazonas. Estamos falando de um bioma que abastece 8 em cada 10 brasileiros com água potável. Aproximadamente 70% da vazão dos rios da bacia do São Francisco vem do Cerrado. Quer beber água? Agradeça ao Cerrado. Quer energia nas tomadas, vinda das hidrelétricas que correspondem a quase 90% da matriz elétrica brasileira? É o Cerrado quem garante. Quer alimento no prato? Também é ele que segura a onda, mesmo sendo o mais devastado para dar lugar à soja, ao gado e ao agronegócio de exportação.

Só que, em vez de festa, o Cerrado tem recebido é pancada. Mais da metade de sua cobertura nativa já foi destruída— em 50 anos, perdeu-se uma área equivalente a duas vezes o tamanho da Alemanha. Apenas 20% do bioma está protegido por unidades de conservação, um índice muito abaixo do recomendado para manter os ecossistemas funcionando. E a devastação continua: só em 2023, o Cerrado perdeu mais de 7 mil km² de vegetação nativa, o maior desmatamento registrado em mais de uma década, segundo o Inpe. Isso é o equivalente a quase cinco cidades de São Paulo em um único ano.

Enquanto isso, a fauna emblemática sofre. O lobo-guará, símbolo do bioma e eleito recentemente como patrimônio nacional, já perdeu mais de 80% de seu habitat original. O tamanduá-bandeira, a onça-pintada, a ema, o tatu-canastra, o veado-campeiro: todos estão ameaçados. E não é exagero dizer que, se o Cerrado colapsar, essas espécies podem desaparecer do mapa.

O fogo, que sempre foi parte natural do ciclo de regeneração do Cerrado, hoje virou sentença de morte. Incêndios criminosos e mudanças climáticas têm causado queimadas tão intensas que nem a vegetação adaptada consegue se recuperar. Resultado: erosão, perda de solo fértil, secagem de nascentes, desaparecimento de abelhas e polinizadores.

E aí eu pergunto: como é que a gente tem coragem de cantar parabéns a esse bioma e, ao mesmo tempo, assinar a sua sentença? O Cerrado não é só cenário. Ele é cultura, ancestralidade, medicina, alimento e futuro. Povo indígena, quilombola, geraizeiro, ribeirinho — todos têm no Cerrado a sua casa e sabedoria. O pequi, o baru, a cagaita, o buriti, o araticum, a mangaba, o jatobá… cada fruto é alimento, remédio, memória e economia. Estima-se que só com frutos nativos o Cerrado movimente mais de R$ 1 bilhão por ano, ainda de forma invisível para o grande mercado.

Não existe Brasil forte sem Cerrado vivo. Não existe futuro sem Cerrado protegido. Infelizmente, precisamos de uma data no calendário para nos lembrar do que deveria ser evidente todos os dias: o Cerrado é tão importante quanto a Amazônia — mesmo sendo mais silencioso, menos “fotogênico” e mais maltratado. Aliás, sua riqueza é tamanha que a ciência já o reconheceu como a “savana mais biodiversa do mundo”.

Parabéns, Cerrado. Parabéns por resistir, por brotar de novo depois da chama, por nos dar água quando a gente nem se lembra de agradecer. Mas parabéns não bastam. O que você precisa é de compromisso, é de lei, é de gente levantando a voz.

E é isso que a coluna Papo Verde quer lembrar neste momento: se cada um de nós não fizer a sua parte, o parabéns de hoje vai virar despedida amanhã.

Que a gente não permita.

Parabéns, Cerrado

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