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Mercado monitora volta da Petrobras ao passado sob planos do governo Lula

Por Roberto

Foto: Ag. Brasil

Por Alexa Salomão / Folhapress

Lenta volta ao passado. É assim que especialistas da área de óleo e gás definem os movimentos da Petrobras na largada do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

As mudanças ficaram mais claras nas últimas semanas, com a divulgação do Plano Estratégico 2024-2028. O sinal amarelo do ano foi acionado apenas na quinta-feira (30).

A União é majoritária no capital votante e, em assembleia de acionistas, aprovou a supressão de trechos do estatuto da companhia que blindavam indicações políticas à alta chefia da estatal.

 
No mercado, há quem chame a mudança de risco Lava Jato, em uma associação ao temor de que a estatal volte a ter os loteamentos que no passado propiciaram desvios de conduta e de bilhões de reais, apurados pela operação.

"Foi uma mudança intempestiva, inoportuna e que abre margem para especulações desnecessárias", afirma Helder Queiroz, professor titular do Instituto de Economia da UFRJ que foi diretor da ANP (Agência Nacional de Petróleo).

A primeira alteração relevante, anunciada ainda na campanha, foi a suspensão do PPI (preço de paridade de importação), que fazia o reajuste automático no mercado interno em relação ao valor internacional. Adotou-se uma espécie de "PPI light", em que o repasse ocorre, mas de forma mais gradual, seja para cima, seja para baixo.

 
A leitura no mercado é que a gestão dos preços dos combustíveis tem sido profissional, mas ninguém arrisca cravar o que pode ocorrer em caso de repique nas cotações internacionais do óleo, momento em que a tensão para segurar a alta sempre aparece.

Ainda prevalece um certo desconforto com a imprevisibilidade e a falta de transparência na formação dos valores que chegam à bomba.

"A Petrobras é o price maker [fazedor de preços] e baliza o comportamento de outros integrantes do mercado, como os importadores" diz Queiroz.

 
"Fica todo o mundo, inclusive o governo, aguardando se, quando e de quanto pode ser o reajuste. Eu mesmo, que sou da área, confesso que, a cada reajuste, até tento calcular algum critério ou parâmetro, mas não consigo encontrar."

O sinal forte de revisão de rota é o aumento dos investimentos.

Como a Petrobras é uma empresa listada em Bolsa, há consenso no setor de que deve remunerar os acionistas. Efeitos positivos sobre a economia --geração de emprego e fomento da indústria-- não seriam um fim, mas uma consequência de seu sucesso empresarial. Como o governo é acionista, pode usar os seus dividendos para fazer política pública.

 
Historicamente, no entanto, as gestões petistas veem a Petrobras como um agente indutor de política pública. Reduzem a distribuição de dividendos para que a companhia possa investir mais.

O auge dessa estratégia ocorreu no primeiro mandato de Dilma Rousseff (PT). A estatal investiu R$ 565 bilhões e distribuiu R$ 335 milhões em dividendos.

Vieram, então, a fase dos excessos e a crise financeira. Congelamentos do preço de combustíveis, superinvestimentos nos mais diversos setores com baixo retorno, denúncias de corrupção e a Lava Jato comprometeram os resultados. A petroleira registrou prejuízo bilionário de 2014 a 2017, período em que teve uma das maiores dívidas corporativas do mundo, que chegou a US$ 133 bilhões (R$ 654 bilhões).

 
Ao assumir a Presidência, Michel Temer (MDB) iniciou uma reversão dessa lógica, que foi levada ao extremo oposto por Jair Bolsonaro (PL). O governo passado distribuiu R$ 299 bilhões em dividendos, cerca de seis vezes mais do que a média dos quatro governos anteriores, e investiu R$ 133 bilhões.

O plano da companhia para os próximos cinco anos resgata o protagonismo da estatal. De 2024 a 2028, prevê o desembolso de US$ 102 bilhões (R$ 501,7 bilhões), um aumento de 30,7% em relação à proposta anterior.

Quem acompanha a Bolsa já identificou o efeito sobre o retorno para os acionistas.

 
"Os números mostram que os dividendos ainda são altos, mas já indicam uma reversão na relação com os investimentos", afirma o consultor de dados financeiros Einar Rivero.

A reformulação dos negócios está dada também. O governo anterior priorizou a exploração de grandes poços do pré-sal, elevando a geração de caixa e a rentabilidade. Agora, volta a diversificação, que tende a reduzir o retorno.

Está no radar a retomada da atuação internacional, que tinha sido quase suspensa. América do Sul e África são o foco. A Petrobras planeja ainda para 2024 a licitação de 36 embarcações de estaleiros nacionais.

 
A companhia anunciou a volta aos fertilizantes, com a retomada das obras da fábrica de nitrogenados em Três Lagoas (MS), interrompidas em 2014. O refino já está em expansão.

Neste ano, a estatal intensificou a produção nacional de diesel. É uma tentativa para reduzir a dependência externa. O país importa de 23% a 27% do diesel que consome. Em 2023, a produção desse combustível bateu dois recordes, indo em outubro a 2,38 milhões de metros cúbicos.

Esse esforço poderia ocorrer com a atração de empresas privadas, mas já se configurou a opção por concentrar a atividade --e tanto é assim que a companhia tenta rever os parâmetros do plano de desinvestimento fixados em 2019 em um acordo com o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).

 
O termo de compromisso estabeleceu a venda de oito refinarias justamente para reduzir a concentração da Petrobras nesse segmento e atrair investidores internacionais.

"As grandes refinarias da Petrobras estão no Sudeste. Essas incluídas no acordo do Cade para desinvestimento são menores. Do ponto de vista do grupo, a venda não gera perda substancial de valor econômico para a companhia", afirma Marcio Couto, pesquisador da FGV Energia (Instituto de Estudos em Energia da Fundação Getulio Vargas).

"Mas existe uma orientação no sentido de ter a Petrobras inteira. Ou seja, é muito mais uma opção de política pública do novo governo do que uma discussão econômica do ponto de vista de negócio da empresa."

 
As refinarias que já foram privatizadas estão na mira da estatal. A Lubnor (Lubrificantes e Derivados de Petróleo do Nordeste), em Fortaleza, uma operação pequena, teve a venda suspensa.

O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, sinalizou que pode negociar com o Mubadala, fundo soberano dos Emirados Árabes, a recompra da refinaria Mataripe Acelen, na Bahia.

No mercado se diz que quem compra Petrobras compra risco político. Em termos econômicos, o pagamento de dividendos continua em alta e as mudanças de rota até agora estão ocorrendo dentro do esperado para um governo do PT. O comportamento das ações, em alta de 60% desde a eleição, é o sinal disso.

 
É consenso que há uma mudança importante que mira o futuro: o ingresso da Petrobras na transição energética.

A empresa criou uma diretoria só para essa área e colocou no comando Mauricio Tolmasquim, um técnico respeitado. A estatal vai investir em eólicas em alto-mar, por exemplo.

Ao mesmo tempo, mostra que não vai frear a exploração de energias fósseis. A estimativa é que as reservas do pré-sal podem durar uns 15 anos antes de decaírem. A estatal busca alternativas.

 
Na lista está prospectar a margem equatorial, trecho entre a foz do rio Oiapoque e o litoral norte do Rio Grande do Norte, o que já gerou divergências com a ministra Marina Silva (Meio Ambiente).

O mercado também aguarda com expectativa como a Petrobras vai proceder o leilão da bacia de Pelotas, que fica entre Santa Catarina e o extremo do Rio Grande do Sul, na fronteira com o Uruguai. O certame está marcado para o dia 15 de dezembro.

Como a diretriz será implementada é outra questão. Já se criam dúvidas sobre a permanência de Prates. O mercado já percebe que o executivo é alvo do fogo amigo e de opositores. "Mas até agora tem demonstrado capacidade para equilibrar divergências", afirma Couto.

 
Outro lado
Prates tem ido a público para contemporizar críticas a esses movimentos. Em resposta à Folha, a assessoria de imprensa enviou um dos vídeos que ele gravou e distribuiu sobre os temas no trajeto para a COP28 --28ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas.

Sobre a alteração no estatuto que poderia abrir margem a indicações políticas, Prates disse foi retirado um trecho que estava duplicado.

"O item basicamente repete o que está na Lei das Estatais, e repetir não faz sentido", afirmou. No entanto, ele admite que esse item está suspenso por liminar do STF (Supremo Tribunal Federal). Se cair por decisão da corte, a Petrobras perde a blindagem.

 
"No Cade, não está havendo qualquer tipo de discussão sobre retomada de refinaria", afirmou.

"Estamos discutindo o aprimoramento e a atualização dos termos de conduta relacionados às atividades de refino e gás natural. Esse processo está em curso há muitos meses."

Ele também negou que tenha ocorrido uma reestatização da refinaria no Ceará. Disse que não houve, dentro do prazo previsto no contrato, uma regularização fundiária importante para a conclusão do negócio, o que levou à devolução do ativo. "A Lubnor fica com a Petrobras. A Petrobras fica no Ceará."

 
Em nota, a assessoria reforçou o posicionamento afirmando que as mudanças em curso olham para a frente.

"Entendemos que as ações adotadas pela gestão da Petrobras neste ano visam preparar a companhia para o futuro de forma responsável, contribuindo para o desenvolvimento do país, garantindo a sustentabilidade da empresa e o retorno para seus acionistas a longo prazo."

Destacou que o fim da paridade trouxe benefícios para o país. "Foi possível promover períodos de estabilidade para os brasileiros."

 
Disse ainda que nova gestão dinamizou a operação para atuar em plena capacidade e fortaleceu a governança.

"As alterações no estatuto aprovadas em assembleia na quinta-feira em nada reduzem o alinhamento da companhia à legislação vigente. A Petrobras continuará a seguir todos os requisitos da Lei das Estatais para a indicação dos administradores."

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