Jornal de Itatiba Portal de notícias de Itatiba

Menu
Notícias
Por Redação

Dia Nacional da Adoção: conheça o médico que adotou criança abandonada no Hospital Ouro Verde

Lucas Machado, pediatra da Rede Mário Gatti, adotou Vitor depois dele ser abandonado pelos pais no hospital

Por Redação

Foto: Carlos Bassan / PMC

Quando uma adoção acontece, identidade e relacionamentos são construídos, conexões são fortalecidas, perspectivas são mudadas e vidas são transformadas. A adoção é um encontro com o amor de uma maneira sublime.

Esse encontro aconteceu em 2019 para o médico pediatra Lucas dos Santos Machado e sua esposa, Nadya Machado, contadora. Mas essa história começa muito antes disso, quando Lucas era criança e características como o acolhimento interpessoal e a afinidade para pessoas com Trissomia 21 (T21 ou Síndrome de Down) já eram características de sua personalidade.

O paulistano lembrou que passou muitos momentos de sua infância em Caxambu (Minas Gerais), onde a família morava. "Tinha uma criança com Trissomia 21, de uns 6 anos, que eu via passar de mãos dadas com a mãe, e que eu sempre queria brincar, tinha curiosidade. Mais pra frente, quando já era interno em medicina e estava passando pela endocrinologia, um jovem de 21 anos, também com T21, passou em consulta comigo e foi muito legal porque  tivemos conexão.Lembro da médica comentar que eu tinha jeito para a pediatria", disse. 

Rede Mário Gatti

Em 2016, por meio de concurso, Lucas entrou na rede Mário Gatti como médico plantonista no Complexo Hospitalar Prefeito Edivaldo Orsi (Ouro Verde). Segundo ele, é muito comum hospitais públicos abrigarem crianças que estejam em situação de abandono familiar ou abrigadas, que precisam de atenção e cuidado especial de saúde. "Trabalho aqui há quase 10 anos e não me lembro de um período em que não tivesse pelo menos uma criança em uma dessas situações. Ela se torna moradora do hospital", explicou.

Em 2019, o médico chegou até a enfermaria do hospital e conheceu Vitor, uma criança de 3 anos, T21, que estava com uma série de comorbidades: problemas graves no pulmão, no intestino e foi abandonado pelos pais no hospital. Em um dia de plantão, a enfermeira responsável disse que a criança estava sem roupas limpas para usar. O médico ligou para sua esposa, Nadya Machado, e perguntou se poderia levar para casa o saco de roupas sujas para lavar. No dia seguinte, ela comprou roupas novas porque algumas estavam muito puídas. E assim começou uma conexão que ultrapassou os limites do hospital. 

"No próximo plantão, minha esposa pediu fotos dele com as roupas novas. Em outro dia, Nadya pediu para visitá-lo no hospital, mas coincidiu que ele teve uma piora clínica e foi enviado para a UTI", disse. Segundo o médico, na época Vitor era um paciente colonizado por uma bactéria e por isso ficava no isolamento. Quando ela chegou, ele estava dormindo. Ela se aproximou e ajeitou o menino no leito. Depois que Vitor saiu da UTI e voltou para a enfermaria, teve condições de ir para casa ou para um abrigo.

A adoção

Em um dia do plantão do médico, a Vara da Infância visitou o Vitor e houve um diálogo sobre o destino do menino. "Em dado momento, eu pedi licença para a equipe da vara da infância, liguei para minha esposa e disse: "Amor, o Vitor está precisando de uma casa, topa?" E ela: "Topo".

Lucas voltou para a sala onde estava o pessoal da Vara da Infância e disse que ele e a esposa aceitavam levar o Vitor para casa. "Eles se entreolharam, olharam pra mim, e disseram que era possível."

No dia seguinte Lucas levou toda a documentação necessária para a Vara da Infância. Dois dias depois, em uma sexta-feira, no fim do dia, a guarda de Vitor estava no nome de Lucas. "Naquele momento eu disse que meu filho tinha nascido. Saí do hospital Mário Gatti e fui para o hospital Ouro Verde para levar o Vitor para casa", lembra o médico.  

"Eu sempre sonhei ser mãe. Então para mim, apesar da surpresa de como aconteceu, foi um processo muito natural. Meus filhos estão me tornando mãe todos os dias. Eu tinha conhecimento sobre a T21 mas não tinha ideia do que demandava, e a mudança na minha vida foi gigante, porque só de se tornar mãe já é uma grande mudança, e de uma criança com Down via adoção foi uma transformação que a gente jamais cogitava. Mas hoje eu não consigo mais me imaginar como eu era antes de ser mãe. Parece que sempre estive preparada para isso", disse Nadya Machado, a mãe.

Família acolhedora

E assim começou a guarda provisória. Inicialmente o casal era uma família acolhedora (serviço de acolhimento temporário de crianças e adolescentes, que se encontram afastados do seu convívio familiar). No dia 29 de fevereiro de 2020, Vitor teve nova crise respiratória e foi internado.

Como a guarda temporária não permitia colocá-lo como dependente em plano de saúde, ele foi para o hospital Mário Gatti, onde ficou internado na UTI. O menino precisou ser  entubado de novo e ficou pouco mais de um mês nessa condição. "Nesse meio tempo, a juíza deu um despacho informando que se eu quisesse a guarda definitiva, eu precisaria entrar com um pedido de destituição do poder familiar da família biológica e com um novo pedido de guarda. E assim fizemos", disse.

Durante a nova internação, Lucas e Nadya conseguiram a segunda guarda provisória. Foi aí que Lucas conseguiu colocar a criança como dependente na assistência de saúde. "Montei um home care em casa e levei ele pra lá no início de 2020. Em agosto do mesmo ano, véspera do dia dos pais, saiu  a guarda definitiva. Hoje ele é meu filho, de papel passado, nosso primeiro filho. Pouco mais de um ano depois, veio o Arthur, nosso filho mais novo biológico", afirmou. 

Hoje Vitor tem nove anos, adora futebol e tem uma conexão de cumplicidade e amor com o irmão mais novo, Arthur. E está cada vez mais saudável. "Quando o conheci, ele estava desnutrido e teve algumas sequelas por isso. Tinha 3 anos e meio e 12 quilos, peso de uma criança de dois anos. Além da T21, ele teve pelo menos quatro paradas cardiorrespiratórias. Hoje ele tem o peso adequado para idade. Ela não andava; hoje anda. Ainda mantém a colostomia, mas está em processo de retirada e continua a evoluir na fala e em outras questões de desenvolvimento", disse Lucas. 

Transformação profissional

Vitor mudou não só a vida pessoal, mas também a vida profissional de Lucas. O médico, que já era especialista em imunologia pediátrica, entrou para o universo do T21.

"Fiz o curso do dr. Zan Mustacchi, que é considerado  a maior referência em T21 do Brasil para me aprofundar no assunto. A pessoa com Trissomia 21 tem várias particularidades em relação à medicação, exames de rotina, alimentação e outros cuidados que não fazem parte da nossa formação em saúde", disse o profissional, que começou a se aprofundar no assunto em 2021.

A partir daí, o médico começou a atuar cada vez mais com o assunto e a dedicar sua carreira ao tema. Hoje, 85% de seus pacientes são T21. Na faculdade de medicina, onde é docente, ampliou o atendimento do então ambulatório de imunopediatria para atender T21. Na unidade pediátrica Mário Gattinho se dedica não só ao atendimento junto com os demais profissionais, mas também a compartilhar conhecimento com estudantes de medicina das faculdades que têm convênio com a unidade, já que é preceptor da residência médica. 

"Consigo trazer a realidade da Trissomia 21 para os alunos. Na unidade pediátrica Mário Gattinho, todos os meses temos de 1 a 2 casos, onde é possível discutir o aspecto clínico e de desenvolvimento. Nossos residentes saem daqui com conhecimentos sobre essa população que tende a crescer, porque a expectativa de vida deles  está crescendo. Na década de 80 era de cerca de 25 anos, hoje alguns chegam a 70 anos. Então, a gente vai cada vez mais entrar em contato com essas pessoas e é necessário integrá-las na sociedade e no cuidado com  saúde, com as necessidades específicas que eles precisam", explicou.

Lucas abriu um consultório especializado em atender pacientes com T21. Além disso, entrou em contato com instituições sociais de Campinas que atendem pessoas com Trissomia 21 e também com grupos de mães e familiares para entender melhor a realidade dessas pessoas na cidade. Foi desse contato que veio a proposta de homenageá-lo na Câmara de Vereadores pelo trabalho dedicado à T21 na cidade, que aconteceu em março deste ano, mês em que é comemorado o Dia Internacional da Síndrome de Down.

História que inspira

A história de Vitor e sua família transformou de várias formas a vida deles. "Me sinto muito feliz, pleno. É engraçado como a vida nos leva para caminhos que já estavam traçados, mas a gente não sabia exatamente como seria isso", refletiu o médico. O que a gente sabe é que histórias como essa são verdadeiras lições de vida, transformação e amor." 

A mãe, Nadya Machado, vê a adoção como um caminho viável para quem quer ser pai e mãe. "Meu conselho é que quem deseja formar uma família, ou aumentá-la, vá em frente. Não tenha medo, tudo vai ter suas dificuldades: tanto filhos biológicos quanto adotivos. é um desafio difícil e prazeroso. É uma transformação que acontece em todas as partes, inclusive com a criança, e isso é o que faz  a gente se tornar família. Porque quando você está com o coração aberto, coisas incríveis acontecem", disse. 

T21

A substituição de Síndrome de Down por T21 (Trissomia 21) é uma questão de nomenclatura e respeito à dignidade da pessoa. A mudança visa evitar a associação pejorativa que a palavra em inglês down (na tradução, significa "para baixo") pode ter, além de focar na causa genética da condição. 

No Brasil, existem cerca de 300 mil pessoas com T21, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Estima-se que 1 em cada 700 nascimentos no país resulte em uma criança com Trissomia. 

tópicos

Não conseguimos enviar seu e-mail, por favor entre em contato pelo e-mail

Entendi

Nós usamos cookies

Eles são usados para aprimorar a sua experiência. Ao fechar este banner ou continuar na página, você concorda com o uso de cookies. Saiba mais em nossa Política de Privacidade.

Aceitar todos os cookies