Da ficção à realidade: o polêmico “retorno” dos Lobos-Terríveis
Coluna Papo Verde - Por Dani Fumachi

Recentemente, a empresa de biotecnologia Colossal Biosciences anunciou o nascimento de três lobos geneticamente modificados — Rômulo, Remo e Khaleesi. Eles foram criados com o objetivo de parecer com o lobo-terrível (Aenocyon dirus), uma espécie que desapareceu há cerca de 10 mil anos. A notícia, cheia de referências à cultura pop e à curiosidade pelas criaturas pré-históricas, dividiu opiniões: algumas pessoas ficaram animadas, outras desconfiadas.
Mas, por trás desse grande show da ciência, existe uma pergunta importante: estamos realmente trazendo de volta uma espécie extinta ou apenas recriando algo que se parece com ela? A ciência é poderosa, mas ainda não é mágica. E quando falamos em natureza, existe uma grande diferença entre copiar o DNA de um animal e trazê-lo de volta para o seu papel no meio ambiente.
O processo: como a engenharia genética entra nessa história
A Colossal conseguiu extrair pedaços de DNA de fósseis do lobo-terrível — um dente de 13 mil anos e um ossinho do ouvido com 72 mil anos. Com isso, eles compararam esse material com o DNA do lobo-cinzento, que ainda existe hoje. Foram escolhidas 14 partes específicas do DNA, com 20 mudanças, para tentar copiar características como o tamanho grande, o crânio mais largo e o pelo branco — tudo que lembra o antigo predador.
Essas mudanças foram feitas usando a técnica chamada CRISPR-Cas9. Depois, esse DNA foi colocado em células de lobos-cinzentos. Os núcleos dessas células modificadas foram transferidos para óvulos (sem núcleo), e os embriões resultantes foram colocados em cadelas domésticas, que geraram os filhotes como se fossem mães de aluguel. Entre outubro de 2024 e janeiro de 2025, nasceram os três lobinhos, agora vivendo em uma reserva privada.
Mesmo assim, os próprios cientistas deixam claro: esses filhotes não são clones do lobo-terrível e nem têm seu DNA completo. São lobos-cinzentos com algumas modificações para parecer com a espécie extinta. São cópias na aparência, não na função que tinham na natureza.
Implicações éticas e ecológicas: o ponto mais delicado
Criar animais modificados para parecer com espécies extintas levanta uma série de questões éticas e ambientais. A principal dúvida é: estamos tentando reviver de verdade uma espécie ou apenas criar uma imagem dela para nosso próprio fascínio?
Na prática, esses lobos não são Aenocyon dirus. São misturas genéticas com o visual do passado. E o mais preocupante: não sabemos se eles têm algum papel útil no mundo atual. O cientista Jeremy Austin, do Australian Centre for Ancient DNA, acredita que esses animais talvez não se encaixem em nenhum ecossistema moderno. Eles podem acabar sendo apenas “bichos de vitrine”, sem nenhuma importância biológica.
Além disso, esses projetos são muito caros — em dinheiro, tecnologia e trabalho. Enquanto isso, milhares de espécies que ainda existem estão prestes a desaparecer por causas que conhecemos e que podemos combater, como o desmatamento, a poluição, a caça e as mudanças climáticas. Reviver bichos do passado pode ser um luxo científico, que tira recursos do que realmente importa: proteger a vida que ainda temos.
Outro ponto é o lado comercial. Animais extintos que fazem sucesso com o público — como os mamutes, o tigre-da-Tasmânia e os lobos de Game of Thrones — podem virar atrações lucrativas. Isso transforma a biotecnologia em um tipo de espetáculo, usando o passado da natureza como entretenimento para poucos.
E se, no futuro, esses animais forem soltos na natureza? Como o ambiente moderno vai reagir a um predador do tempo das cavernas? O que vai acontecer com os animais que já vivem ali, com a cadeia alimentar e o equilíbrio da região? E mais: como prever os impactos de um animal que nem conhecemos totalmente?
Essas dúvidas são difíceis, mas precisam ser feitas com responsabilidade. Sem deslumbramento, e com os pés no chão.
E aí fica a pergunta: o que estamos tentando curar, afinal?
Projetos como o da Colossal Biosciences mostram um avanço impressionante da ciência, mas também trazem grandes responsabilidades. Antes de tentar trazer de volta os animais que já desapareceram, talvez devéssemos cuidar melhor dos que ainda existem. Afinal, o custo do cuidado é sempre menor do que o do conserto. E nesse cenário, a pergunta mais importante talvez não seja se podemos trazer o passado de volta — mas por que estamos tentando fazer isso?
Estamos tentando curar a natureza — ou apenas aliviar a nossa culpa?