COP30: o espetáculo da contradição
Coluna Papo Verde com Dani Fumachi

Há uma ironia difícil de engolir no fato de que a Amazônia, a floresta que o mundo tenta salvar, será o palco da próxima conferência climática da ONU.
De 10 a 21 de novembro de 2025, Belém do Pará receberá a COP30, com protagonismo ensaiado, discursos emocionados e uma promessa antiga repaginada: a de que ainda há tempo para reverter o colapso. Mas há algo fora de compasso entre o discurso e o chão em que ele será dito.
Enquanto o governo federal acelera obras e se apressa em anunciar compromissos verdes, a Petrobras se prepara para perfurar a Foz do Amazonas, uma das regiões marinhas mais sensíveis do planeta, ainda pouco estudada, e que abriga o sistema de recifes amazônicos.
A conferência que pretende “salvar o futuro” será realizada no exato momento em que o país testa os limites da exploração de petróleo na entrada da maior floresta tropical do mundo.
A cena é cinematográfica. O enredo, trágico.
O palco e o bastidor
Belém vive uma corrida contra o tempo. Hotéis lotados, obras emergenciais, avenidas recapeadas e promessas de modernização.
Por trás da maquiagem, a cidade continua marcada pela desigualdade, pela precariedade dos serviços básicos e por uma logística que beira o caos.
A ONU já admite que parte do seu próprio pessoal pode não conseguir participar por conta dos custos altos de hospedagem.
Enquanto isso, os discursos oficiais falam em “inclusão” e “escuta dos povos da floresta”.
Ironia ou sintoma: as comunidades que mais deveriam ser ouvidas dificilmente conseguirão atravessar as barreiras de crachás, credenciais e diárias em dólar.
A COP30, vendida como evento de reparação simbólica, já nasce cercada pelo mesmo dilema que tenta resolver: o abismo entre o que se promete e o que se pratica.
O país chega à conferência tentando se reposicionar como potência ambiental. Depois do isolamento diplomático dos últimos anos, o Brasil quer recuperar o papel de liderança climática e o faz com números que impressionam: em 2024, o desmatamento da Amazônia caiu em 30,6%, de acordo com dados do sistema Prodes do Inpe. Houve retomada de políticas ambientais, fiscalização rígida e novos compromissos de transição energética foram anunciados.
Mas esses avanços convivem com retrocessos igualmente profundos.
O Cerrado teve recordes de queimada. O Pantanal explorado como nunca. O Congresso empurrou o PL da Devastação, enfraquecendo licenças ambientais e protegendo infratores.
Enquanto isso, o governo autoriza a exploração de petróleo em novas fronteiras e tenta justificar o velho erro com o novo nome de “transição justa”.
O Brasil que se prepara para sediar a COP30 é o mesmo que ainda mede o progresso em barris e hectares desmatados.
E é aí que mora a incoerência que o mundo virá testemunhar.
A foz do Amazonas
A disputa sobre a Foz do Amazonas é mais do que uma questão ambiental, é o símbolo de uma identidade em conflito.
De um lado, a promessa de desenvolvimento, empregos e soberania energética. Do outro, a realidade de um ecossistema frágil, onde um único vazamento poderia apagar séculos de vida que ainda nem foram estudadas.
A Petrobras diz que tem tecnologia para evitar acidentes. Mas a ciência responde: não há tecnologia capaz de restaurar o que se perde quando o mar vira petróleo.
E o paradoxo é cruel: o país que abriga a maior floresta tropical do mundo aposta seu futuro na mesma lógica que destruiu o planeta.
Sediar a COP30 em meio a essa contradição não é coincidência; é confissão.
O Brasil quer provar que é possível equilibrar crescimento e conservação, mas, até agora, tem falhado em demonstrar isso sem sacrificar o essencial.
Um teatro global de intenções
Na plateia, estarão os de sempre: Estados Unidos, China, União Europeia – cada um com seus discursos prontos e seus pecados escondidos.
Os EUA falarão em investimento verde enquanto continuam financiando oleodutos e desacreditando da crise climática.
A Europa cobrará metas ambientais enquanto importa soja e minério produzidos à custa de desmatamento desenfreado.
A China prometerá neutralidade de carbono até 2060, enquanto ergue novas usinas a carvão a cada semana.
E o Brasil tentará vender esperança, com a floresta em pano de fundo e o petróleo em segundo plano.
Até o príncipe William confirmou presença, simbolizando o espetáculo diplomático que se tornou o debate climático.
Mas o verdadeiro público-alvo dessa conferência é outro: as nações ricas, os investidores, os mesmos que transformaram a tragédia ecológica em oportunidade financeira como a Samarco e a Val, responsáveis pelos desastres ambientais de Mariana e Brumadinho.
O teste de coerência
A COP30 será o grande espelho do Brasil.
Se o país mantiver o curso atual – de um discurso verde sobre um solo encharcado de petróleo – sairá dela como um símbolo de hipocrisia climática.
Mas se tiver coragem de colocar a coerência acima do lucro e da pressa, pode dar ao mundo um exemplo raro de autenticidade política.
Porque não se trata apenas de reduzir emissões. Trata-se de decidir que tipo de civilização queremos sustentar. Se a que perfura o ventre da floresta em busca de combustíveis mortos, ou a que aprende a viver com o que ainda pulsa.
A COP30 não será apenas uma conferência sobre o clima. Será uma conferência sobre verdade. E a verdade é que não há futuro verde possível enquanto insistirmos em pintar de verde o velho modelo que nos trouxe até aqui.