COMO O DESMATAMENTO ADOECE VOCÊ SEM QUE PERCEBA
Coluna Papo Verde com Dani Fumachi

A destruição das florestas tropicais não é apenas uma crise ecológica. É uma crise de saúde pública. Por trás do aumento de doenças respiratórias, surtos virais, alergias e distúrbios mentais está a perda silenciosa da cobertura vegetal. O corpo humano, assim como o planeta, não vive sem floresta. E os números comprovam: estamos adoecendo junto com os biomas.
A FLORESTA QUE RESPIRA POR NÓS
De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Brasil perdeu 13.489 km² de vegetação nativa em 2023. A maior parte na Amazônia Legal. Esse desmatamento não apenas libera CO₂, mas também reduz a capacidade da floresta de produzir umidade, resfriar o ar e filtrar poluentes.
“Floresta é um sistema respiratório planetário. Quando ela é derrubada, o ar fica mais seco, mais quente e mais tóxico”, explica a biometeorologista Dra. Helena Tomé, pesquisadora da Fiocruz. “O aumento da poluição nas regiões desmatadas está diretamente relacionado ao crescimento de casos de asma, bronquite e rinites crônicas.”
AS “QUEIMADAS DA SAÚDE”
Segundo dados do Observatório do Clima, as queimadas na Amazônia e no Cerrado emitem cerca de 340 milhões de toneladas de gases por ano. Além de CO₂, liberam fuligem e material particulado (PM2.5), uma das principais causas de morte precoce no mundo.
Um estudo da Harvard University (2021) mostrou que a fumaça dos incêndios florestais contribuiu com mais de 10 mil mortes prematuras anuais na América do Sul. No Brasil, essas partículas tóxicas invadem cidades a centenas de quilômetros de distância do foco.
DEPRESSÃO, ANSIEDADE E O VERDE QUE FAZ FALTA
Estudos do Journal of Environmental Psychology mostram que a presença de natureza está relacionada à redução dos níveis de cortisol, o hormônio do estresse. A exposição a espaços verdes melhora a saúde mental, reduz sintomas depressivos e aumenta a sensação de bem-estar.
“Quando destruímos a floresta, destruímos também o ambiente interno que ela nos ajuda a manter equilibrado”, afirma o psiquiatra ambiental Dr. Maurício Kallás. “Áreas urbanas cercadas por vegetação são verdadeiros amortecedores emocionais. O desmatamento é também uma forma invisível de agressão psíquica coletiva.”
ZOONOSES E PANDEMIAS: A FLORESTA COMO ESCUDO
O desmatamento expõe populações humanas a vírus e bactérias antes isolados em ecossistemas naturais. A febre amarela, a leishmaniose, a malária e, possivelmente, o próprio SARS-CoV-2, estão entre as zoonoses ligadas à quebra da interface floresta-homem.
Segundo a revista Nature (2020), 31% dos surtos de doenças emergentes nos últimos 20 anos estão diretamente associados ao desmatamento. A floresta funciona como uma fronteira imunológica. Sem ela, ficamos expostos a patógenos para os quais não temos defesa.
5A DOENÇA NÃO É SÓ DE QUEM ESTÁ LÁ
A ideia de que os impactos do desmatamento só atingem comunidades locais é um mito. A fumaça das queimadas amazônicas chegou a cobrir São Paulo em pleno dia, como em agosto de 2019. Além disso, alterações no ciclo hidrológico já estão comprometendo a segurança hídrica e alimentar do Centro-Sul do país.
“Não existe fronteira para a degradação ambiental. O adoecimento é um efeito em cascata: começa com a árvore que cai, passa pelo animal que foge e termina no ar que você respira”, conclui a ecóloga Dra. Larissa Medeiros, da Universidade Federal do Paraná.
A floresta não é apenas um bioma: é uma extensão do nosso próprio organismo. O pulmão que respira por nós, o escudo imunológico invisível, o calmante emocional silencioso, o termostato climático natural. Ignorar isso é cavar a própria cova sanitária.
Cuidar da floresta é cuidar de si. Desmatá-la é uma autoviolação coletiva. O corpo humano nunca esteve tão exposto. E nunca precisou tanto da floresta para se manter de pé.