Cientistas descobrem nova formação de anéis no Sistema Solar sob liderança brasileira
Pesquisa que contou com colaboração de docente da Unesp encontrou três anéis ao redor de Quíron, um pequeno corpo que orbita entre Saturno e Urano

Foto: Govesp
Uma equipe internacional de astrônomos, sob liderança brasileira, descobriu estruturas de anéis em torno de Quíron, um corpo de menor porte, localizado entre as órbitas de Saturno e Urano.
Essa é a quarta descoberta de anéis formados em torno de objetos que não são planetas. “Isso mostra que essas formações são bem mais frequentes do que a gente imaginava”, diz Rafael Sfair, docente da Faculdade de Engenharia e Ciências da Unesp, câmpus de Guaratinguetá, que colaborou com a descoberta.
Até 2014, acreditava-se que seria necessária uma força gravitacional de expressiva intensidade para manter tais estruturas coesas. Essa ideia foi desafiada quando um grupo de astrônomos, liderado pelo brasileiro Felipe Braga-Ribas, do Observatório Nacional do Rio de Janeiro, identificou dois anéis ao redor do centauro Chariklo, que permanece em órbita entre Saturno e Urano.
A descoberta abriu espaço para novas investigações em busca de objetos similares que também contassem com anéis. Mais de dez anos depois, Haumea e Quaoar passaram a integrar a restrita lista que, a partir de agora, conta também com a adição de Quíron.
Os centauros são um grupo de objetos situados nas imediações de Saturno. São semelhantes a asteroides, porém, diferentemente destes últimos, ejetam parte de seu material para o espaço, o que os aproxima dos cometas. Esse perfil híbrido motivou a criação de uma nova categoria para abrigá-los. As observações ocorreram em 2023, empregando a técnica de ocultação estelar, e revelaram a existência de três anéis em torno de Quíron e uma surpresa a mais.
Ao comparar os registros das novas observações com outras anteriores, conduzidas em 2011, os pesquisadores constataram que os anéis simplesmente não estavam lá 12 anos antes, tendo se formado ao longo da última década.
Trata-se de uma janela temporal rara na astronomia, campo em que os fenômenos observados costumam transcorrer em escalas de milhares de anos. “Com essas observações, pudemos testemunhar, pela primeira vez, a formação e evolução em curso de um sistema de anéis”, dizem os autores do artigo.
Os resultados foram divulgados no artigo The rings of (2060) Chiron: Evidence of an evolving system, publicado na revista científica The Astrophysical Journal Letters, e que tem como autor principal o astrônomo Chrystian Luciano Pereira, do Observatório Nacional. O trabalho foi o resultado de uma grande colaboração internacional, reunindo dezenas de pesquisadores e observatórios.
Estudando sombras
Já se especulava sobre a possibilidade da existência de anéis ao redor de Quíron na comunidade científica devido à sua semelhança com o centauro Chariklo, em torno do qual eles foram detectados anteriormente: ambos medem cerca de 200 km e têm suas órbitas entre as de Saturno e Urano. Quíron apresenta um comportamento semelhante ao de um cometa ativo, liberando poeira e gases, e esses materiais formam nuvens que, sob certas condições, poderiam dar origem aos anéis.
A confirmação dos anéis de Quíron veio a partir da análise de quatro ocultações estelares, ocorridas entre 2011 e 2023. Uma ocultação estelar ocorre quando um objeto do Sistema Solar passa diante de uma estrela, bloqueando temporariamente sua luz e projetando uma sombra sobre a Terra. Ao observar esse fenômeno a partir do solo, os astrônomos podem determinar diversas características do objeto, como seu tamanho, forma e a presença de atmosfera ou de anéis.
No caso de sistemas anelares, a evidência surge quando a luz da estrela apresenta breves oscilações ou “piscadas” antes e depois da ocultação principal (quando o corpo sólido bloqueia a luz por mais tempo). Essas variações sutis indicam que estruturas finas, como anéis, estão cruzando a frente da estrela, revelando assim sua existência.
As ocultações que revelaram a configuração de Quíron foram constatadas por observatórios situados em 31 locais diferentes, distribuídos em toda a América do Sul. Os dados mais relevantes foram obtidos no Observatório do Pico dos Dias, operado pelo Laboratório Nacional de Astrofísica (OPD/LNA), em Minas Gerais.
Apesar da confirmação da existência dos anéis, sua origem ainda permanece incerta. “Ainda não temos uma explicação exata sobre como esses anéis se formaram, nem se o processo seria semelhante ao de outros sistemas anelares já identificados”, diz Sfair.
Até o momento, não há consenso sobre a formação dos anéis em torno de corpos menores. No entanto, entre as hipóteses mais aceitas está a de que sua origem decorra de uma combinação de fatores, envolvendo colisões primordiais, impactos catastróficos ou processos de ejeção, associados a um ambiente gravitacionalmente favorável nas proximidades do objeto central.
A formação dos anéis
A análise dos dados levou à identificação de três anéis, com raios de 273 km, 325 km e 438 km do centro de Quíron. Além disso, os pesquisadores também conseguiram identificar um disco de material difuso, sem a coesão necessária para ser considerado um anel, mas que se estende por centenas de quilômetros.
O que mais surpreendeu o grupo, porém, foi a constatação de que as estruturas observadas em 2023 não existiam nas observações anteriores, o que apontou para uma mudança recente nos entornos de Quíron. A ideia é que, provavelmente, os anéis se formaram na última década, em particular, após 2021, quando foi registrada uma grande ejeção de material do centauro.
“Quíron pode representar uma rara janela observacional para uma fase evolutiva intermediária, oferecendo um possível elo perdido no processo de formação de sistemas de anéis ao redor de pequenos corpos do Sistema Solar”, escrevem os autores do artigo.
Agora, cabe ao grupo investigar se o que foi registrado representa a formação de estruturas anelares estáveis, que poderão permanecer por muito tempo ao redor do pequeno corpo, ou se são estruturas temporárias, que se formam e se desfazem continuamente. Sfair destaca que esse último caso é uma possibilidade a ser investigada: a existência de anéis que surgem rapidamente e, após algum tempo, se desintegram, para logo depois novos anéis serem formados.
A confirmação de qual desses cenários descreve a realidade de Quíron, no entanto, só virá com o tempo, a partir do monitoramento contínuo do pequeno corpo e dos demais objetos semelhantes. “Com essas novas informações e indagações, precisamos verificar se o mesmo comportamento se aplica aos anéis de Chariklo, Haumea e Quaoar, que já conhecíamos”, diz Sfair.